*Resenha* A Sombria Queda de Elizabeth Frankenstein
Eu estava muito animada por esse livro. Adoro releituras de histórias clássicas, e Frankenstein não é só um clássico do terror, mas foi pioneiro no gênero e escrito por uma mulher.
Apesar de não conhecer muito bem a história original, sei apenas o geral, essa versão da autora Kiersten White me deixou curiosa e na expectativa a cada página virada, tanto é que depois de finalizar fui atrás de uma edição original de Frankenstein.
A releitura segue a jovem Elizabeth Lavenza, que foi acolhida pela família Frankenstein na infância para ser uma companhia para o filho mais velho, Victor. Como eu disse, não conheço o original bem o suficiente para apontar todas as diferenças, mas isso não atrapalha nada na leitura.
Elizabeth é uma personagem muito complexa. Ela teve uma história infância difícil e aprendeu cedo a ser aquilo que as pessoas ao seu redor desejam, pois só assim teria algum valor. Para a sra. Frankenstein, ela é um anjo que consegue acalmar seu filho problemático; para Victor, uma confidente e alguém que o compreende e incentiva. A cada nova interação, ela sempre analisa qual a melhor abordagem para que lhe deem exatamente o que ela quer e precisa.
Entretanto, ela não age por ganância, não é dinheiro e conforto que ela busca, é uma simples questão de sobrevivência. Elizabeth sabe que sem os Frankenstein, ela não tem nada, abrigo, comida, roupas.
Dessa forma, ela segue Victor pela Europa para convencê-lo de que ele ainda a ama, de que ele precisa dela. Ela teme que o juiz Frankenstein, pai de Victor, mande-a embora sem o filho por perto.
Nessa jornada, ela faz descobertas terríveis sobre Victor e suas atividades, mas ao invés de ficar horrorizada com os atos em si, ela pensa nas desgraças que podem se abater à reputação da família e, por consequência, a ela, caso tudo fosse descoberto pelas autoridades.
Elizabeth não sabe quem é sem ter um papel a interpretar. O instinto de sobrevivência não permite que ela desenvolva seus próprios interesses, pois seu foco principal é sempre Victor. Qualquer nova pessoa em sua vida é analisada sobre como pode favorecer Victor e fazê-lo amá-la mais.
De certa forma, isso a torna tão obcecada por Victor quanto ele é por ela, e a falta de escrúpulos para manter o outro a salvo também se compara.
A diferença é que, ao longo da narrativa, Elizabeth vai se dando conta de que Victor não pode e não quer ser salvo, e isso a faz olhar com compaixão aos outros ao seu redor.
Victor é alguém completamente perdido em suas obsessões. Desde criança obcecado sobre como algo vivo funciona, ele estuda a morte para entender como criar vida, mas não tem nenhuma consideração pelas criaturas vivas. Só o que lhe importa é o que tem utilidade para ele, e Elizabeth sempre foi a única que parece entendê-lo, portanto ela se torna a única coisa que Victor não pode perder. E isso o faz juntar suas duas maiores obsessões.
Dos personagens secundários, não há muita profundidade, mas gostei bastante de Justine e Mary, que se tornam figuras de amizade de verdade para Elizabeth, além do pobre Henry que acreditou que algum dia Elizabeth o escolheria ao invés de Victor – ou será que não? Senti que poderia surgir algo a mais entre Elizabeth e Mary, uma jovem forte e batalhadora que sabe como lutar por seu espaço no mundo. Seria o par perfeito para ajudar Elizabeth a acreditar que seu valor não depende de sua utilidade para os outros.
E, claro, temos o “monstro”. O ser criado por Victor feito de partes de corpos que ele roubou e de pessoas que ele de fato matou, a criatura que o atormenta e o revolta. Apesar da história ser de Elizabeth, temos uma boa visão sobre o ser monstruoso por fora e gentil por dentro, que se sente tão perdido e atormentado quando os personagens humanos, e como Victor o despreza por ser “imperfeito”, sem se importar que criou algo com consciência e sentimentos, um ser vivo, que não merece ser descartado apenas por não lhe ser útil.
Aqui vemos os paralelos entre a criatura e Elizabeth. Ela sempre enterrou seus sentimentos, deixou que sua consciência se perdesse, fez coisas terríveis e deixou coisas terríveis acontecerem, pois sabia que se não fosse útil para Victor, ele a descartaria – o que de certa forma de prova verdade ao longo da narrativa -, sem ligar para como a estava ferindo.
A partir do momento em que Elizabeth percebe que nunca será o que Victor quer, pois ela é humana e não consegue desligar seu horror e aversão aos atos de Victor, ela passa a lutar ativamente para se tornar sua própria pessoa, para encontrar uma forma de viver para si mesma.
Esse livro é uma história de independência e emancipação de uma mulher que passou a vida dando-se completamente aos outros, tornando-se quem quer que os outros quisessem que ela fosse, sem qualquer chance de individualidade. Ela deveria ser uma bela dama de fala suave, sempre vestida de branco, gentil mas nunca frágil, ter compaixão mas não ter coração fraco, inferior mas sem defeitos. Mais do que uma história de terror – e tem partes bem aterrorizantes, a autora realmente tem o dom de construir cenas de suspense e momentos de terror -, é um conto sobre aprender o próprio valor e tomar as rédeas da própria vida.
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