*Resenha* Garotas de Neve e Vidro
Esse livro me surpreendeu bastante. Eu sabia que era uma releitura de Branca de Neve, mas não tinha ideia do que esperar, e com certeza não esperava que tivesse um romance queer.
A história é contada por duas perspectivas, a de Mina e da de Lynet. Mina descobriu quando era jovem que seu coração era feito de vidro, e por isso nunca poderia amar ou ser amada. Seu pai lhe disse que só a amariam por sua beleza, e ela passou a buscar esse sentimento, conseguindo conquistar um lugar ao lado do rei, tornando-se a rainha. Lynet é a princesa de Primavera Branca e vive presa por expectativas de seu pai para ser igual à sua mãe, a quem ela nem conheceu. Sua única figura materna é a madrasta, a quem Lynet sempre admirou. Quando o rei decido passar mais responsabilidades para a filha, Mina sente-se traída e ameaçada, pois sabe que logo ela não terá mais utilidade para o reino.
Os personagens são muito complexos e bem construídos, e a relação entre as duas protagonistas vai além de enteada/madrasta, ou até mesmo de duas mulheres disputando o mesmo espaço. Histórias como A Branca de Neve tem um fundo amargo de que mulheres sempre estão em competição, que é sempre sobre quem é a mais bela, a mais amada, a que vai ficar com o príncipe/rei, e de certa forma isso é depositado na mente das crianças que se identificam como meninas, que crescem vendo qualquer mulher ao seu redor como sua inimiga.
A narrativa de Mina inicia-se quando ela tem 16 anos, e Lynet acabou de nascer. A jornada dela a leva à Primavera Branca, onde pretende se tornar parte da corte real. Acompanhada de seu cruel pai, que é um poderoso mago, Mina busca desesperadamente um amor, e isso a leva ao rei, que, apesar de acabar de ser pai, está de luto dela esposa. Mina vai aos poucos encantando Nicholas e oferece amizade à pequena Lynet, que vive super protegida e sem liberdade de interagir com outras crianças e brincar. Mas logo Mina percebe que o rei nunca vai amá-la, pois ele deu todo seu amor à falecida rainha e à filha.
Lynet quer ser livre para escolher seu destino, mas isso parece impossível quando todos sempre a comparam à mãe. A cada dia que passa, ela vê seu destino selado de se tornar uma sombra da antiga rainha, mesmo ela querendo ter a chance de ser sua própria pessoa. Seu pai é extremamente protetor e sua madrasta é gentil mas distante, e Lynet acaba se aproximando da nova cirurgiã do palácio, Nadia, que acaba revelando que Lynet na verdade foi criada da neve por meio de magia, para ser a imagem perfeita de sua mãe.
Tanto Mina como Lynet passaram a vida sendo manipuladas por homens em quem elas confiavam. Gregory, o mago e pai de Mina, disse à filha que ela nunca valeria nada além de sua beleza, e Mina acreditou, passando sua vida tentando ser a pessoa mais bela para que não perdesse seu valor. Lynet sempre se sentiu presa por seu próprio pai, o rei, que queria que ela fosse alguém que já morreu – e que ela nem conheceu.
Além disso, Gregory sente que as duas devem a ele suas vidas, já que foi ele quem criou o coração de vidro de Mina e deu vida a Lynet. Ele joga esse fato na cara de Mina várias vezes ao longo da história.
Há, também, muito falta de comunicação entre os personagens. Basicamente o conflito entre Mina e Lynet acontece pois nenhuma das duas diz o que sente e pensa, elas só assumem que sabem o que a outra está sentindo. Lynet assume que Mina mandou o caçador matá-la, Mina assume que Lynet irá se livrar dela para conseguir o trone após a morte do rei. As duas estão preparadas para uma briga, pois foi isso que sempre disseram a elas, que somente uma poderia ser rainha, que só uma seria amada.
Elas são muito similares, em personalidade. As duas são solitárias e buscam algo que acreditam nunca alcançar. Mina foi endurecida por suas experiências e aprendeu a deixar sempre um espaço entre ela e os outros, para se proteger de decepções. O relacionamento dela com Felix – o caçador – é intenso e comovente, o desejo por amor dela que tomou forma, mas ela acredita não ser real. Já Lynet tem sua confiança nos outros destruída aos poucos, pela madrasta, pela cirurgiã que ela achava ser sua amiga, pelo mago que ela esperava que pudesse ajudar. Ela troca sua chance de liberdade para tentar salvar o coração de vidro de Mina. O amor que elas sentem uma pela outra, como mãe e filha – pois foi Mina quem deu amor e carinho a Lynet durante a vida toda -, é o que elas não conseguem ver.
Ah sim, tem também uma maldição que faz com que Primavera Branca tenha um inverno eterno, e eu não entendi muito bem essa parte, mas não interferiu no meu entendimento da história. A magia fica por conta do mago e das duas protagonistas, e é muito legal como funciona para cada um dos personagens, e como isso conecta com suas personalidades.
Eu realmente gostei bastante dessa releitura, que traz algo novo e uma visão inovadora à velha história da madrasta que queria ser a mais bela e da princesa que tinha a pela branca como a neve. Já aviso que não tem sete anões, nem maçã, e quem acorda a princesa do sono encantado não é um príncipe – sério, mais ninguém acha muito creepy o príncipe beijar uma menina que ele acredita estar morta?
Se você está com vontade de ler uma fantasia cheia de personagens femininas incríveis com um ar de contos de fada, essa é com certeza uma boa leitura. A autora Melissa Bashardoust acabou de lançar um novo livro esse mês, chamado “Girl, Serpent, Thorn”, que eu espero que venha logo para o Brasil, pois parece muito bom também.
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