*Resenha* Jack of Hearts and Other Parts

Essa foi uma leitura bem interessante para mim por abordar sexo como um dos temas principais, mas o autor L. C. Rosen faz isso com responsabilidade, bom humor e muita positividade. Não para ser uma narrativa hot, até por envolver personagens adolescentes, e sim um olhar sem julgamentos sobre curiosidade sexual.

Jack é a vadia da escola, e com orgulho! Ele gosta de sexo e não vê problema nenhum nisso, mesmo que sua vida sexual seja tema recorrente das fofocas da escola. Quando sua amiga pede que ele escreva uma coluna de conselhos sexuais, respondendo questões dos leitores, Jack fica um pouco receoso, mas aceita pelo bem da amizade. Ele então começa a receber bilhetes de um admirador secreto, mas ao invés de achar fofo, Jack se sente um tanto desconfortável e... ameaçado? Conforme Jack tenta descobrir quem pode ser seu admirador – perseguidor? -, os bilhetes vão ficando cada vez mais intensos e se tornam ameaças reais, e Jack tem medo do que a pessoa misteriosa pode fazer caso ele não aceite as demandas.

O livro é muito positivo em relação a sexo, às sendo até um pouco didático ao falar de sexo seguro, consentimento, comunicação com parceiros e sexualidade. Os capítulos são intercalados com as perguntas à coluna Jack of Hearts, de vão de curiosidades típicas de quem está iniciando a vida sexual até temas mais intensos, e as respostas de Jack, que sempre contêm uma historinha sobre suas experiencias pessoais – Jack nunca cita os nomes dos parceiros na coluna, mas é divertido ver alguns deles se perguntando se fizeram algo notável o suficiente para ser mencionado.

Ao contrário de muitos livros YA que colocam muito peso sobre a primeira vez – tem que ser com a pessoa certa, tem que ser especial, virgindade é algo precioso -, este livro traz uma visão inovadora e ao mesmo tempo óbvia: cada um tem uma experiência única e a importância do sexo varia de pessoa para pessoa, de acordo com seus sentimentos, expectativas, sexualidade, religião... Sexo é algo natural e não deveria ser visto como sujo, e sim como uma escolha que só é possível decidir por si mesmo. 

Sendo assexual, eu entendo o estigma que a sociedade tem em relação ao sexo. Se você gosta, você é vadia/galinha; se você não quer, você é puritano/religioso ou tem algum problema hormonal. Nunca se está certo de acordo com as “regras” da sociedade, que na realidade não fazem nenhum sentido. Mesmo o livro tendo sexo como um tema central – incluindo algumas cenas e descrições de atos sexuais -, não há momento nenhum na narrativa pressão para ser uma pessoa sexualmente ativa. Jack é alguém muito sexual, enquanto seu melhor amigo quer que sua primeira vez seja especial e mágica, e os dois se apoiam incondicionalmente em suas escolhas. Há inclusive um personagem assexual, que, assim como na série Sex Education, pede conselhos sobre a falta de interesse sexual, achando que há algo errado, ao que Jack discute um pouco assexualidade e arromanticidade e afirma a validade dessas identidades.

Além de ser extremamente positivo, o livro traz uma reflexão sobre como algumas sexualidades podem ser transformadas em fetiches, e o quão nocivo isso é para a comunidade LGBTQIA+ - tipo os caras héteros que acham nojento ser gay mas acham super sexy quando duas garotas se beijam; ou quando ships gays masculinos são altamente erotizados para o público alvo feminino. Isso é algo que acontece tanto na vida real quando dentro dos fandoms e que precisa de mais atenção, pois ainda é muito velado.

Jack é um protagonista ótimo. Otimista, espalhafatoso, confiante e orgulhoso de ser gay, ele não liga para a opinião alheia, mesmo quando os fofoqueiros de plantão aumentam suas proezas sexuais. Ele está sempre sorridente e pronto para dar conselhos, mas algumas pessoas não aceitam seu estilo – aí entra o preconceito que às vezes vem de dentro da própria comunidade LGBTQIA+, que acreditam que ser femme é afirmar estereótipos que prejudicam a comunidade, que se os gays se parecem mais com héteros eles seriam mais aceitos pela sociedade em geral. Esse é um tema presente no outro livro do autor, Camp, lançado em 2020 e que eu também já resenhei.

Os relacionamentos de Jack são o que movem a história: seus melhores amigos – que têm personalidades diferentes mas funcionam perfeitamente, dispostos a qualquer coisa um pelo outro -, sua mãe – uma médica bem sucedida que decidiu ter Jack sozinha, por inseminação -, seus diversos parceiros sexuais – com quem ele é sempre aberto e comunicativo. 

O mistério sobre o perseguidor de Jack é bem construído, com ele e os amigos bancando detetives e fazendo listas de suspeitos. Foi menos óbvio do que eu achei que seria, o que é sempre positivo.

Adoraria ver esse livro chegar aos leitores brasileiros, pois traz temas importantes porém pouco abordados no gênero YA, e faz isso de forma leve, bem humorada e com responsabilidade – afinal, falar sobre sexo com adolescentes deve ser feito de forma muito responsável, e esse livro foi brilhante nesse quesito.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

*Resenha* Carrossel Sombrio e Outras Histórias

*Resenha* Surrender Your Sons

*Resenha* Até o Fim do Mundo