*Resenha* Fera

Já tinha ouvido falar bastante desse livro de Brie Spangler e nunca tinha me interessado, achando que era só mais uma história de garoto conhece garota, até prestar atenção e descobrir que o interesse romântico era uma garota trans, o que, na minha opinião, dá à narrativa um nível a mais de profundidade.

Dylan é grande e peludo, o que no auge dos seus quinze anos faz com ele que seja alvo de apelidos maldosos na escola. Após cair de um telhado em circunstâncias suspeitas, ele é enviado para um grupo de terapia para jovens com tendência à automutilação, onde conhece uma garota linda, esperta e divertida que não parece ter nojo do seu corpo peludo. Jamie parece perfeita demais para estar no grupo de terapia, e Dylan se vê cada vez mais curioso e encantado. Mas então ele descobre algo que já deveria saber, afinal, Jamie disse na terapia no dia em que se conheceram, só que Dylan não estava prestando atenção: Jamie é trans. Confuso, Dylan precisa decidir se isso muda seus sentimentos por Jamie, ou se a garota maravilhosa por quem se apaixonou vale a pena.

Tenho vários pensamentos sobre esse livro e fiquei analisando por um bom tempo para decidir se gostei ou não. 

Achei Dylan meio péssimo no início, mas depois lembrei que ele é um garoto de 15 anos passando por momentos difíceis. Ele perdeu o pai e vive com uma ilusão de que o pai pode lhe mandar sinais, sua mão parece ser a única pessoa que o ama e mesmo assim ele não consegue se comunicar com ela como gostaria. Isso além de seu corpo que parece não parar de crescer. Fiquei com dó desse menino que tem aparência de homem, o que todos parecem achar que ele deveria gostar e desfrutar, como quando insistem que ele jogue futebol americano ou pedem que deixe a barba crescer para poder comprar cerveja. Seu melhor amigo o usa como segurança e pede que ele intimide colegas utilizando de seu tamanho e força.

Ele é meio ingênuo até, se deixa levar pela correnteza sem muito protesto. Conhecer Jamie o faz repensar seus relacionamentos e suas atitudes. O problema aqui, eu acho, é que ele continua com uma visão meio fechada de mundo. A forma que ele trata Jamie, o jeito que ele passa a agir com a mãe, a maneira como ele corta a amizade com seu melhor amigo, mostra apenas o quão imaturo ele realmente é, e o quanto ainda precisa evoluir.

Já Jamie é um raio de sol em forma de gente. Ela é decidida, independente e segura de si e, mesmo com as dificuldades que passou com sua transição e a aceitação das pessoas ao seu redor, principalmente seus pais, ela é muito otimista e realista. Ela contrasta muito com Dylan, que esconde seus interesses e finge para ser aceito, e o empurra para encarar as coisas que ele não quer ver. 

Eu achei muito interessante como os outros personagens agem em relação à Jamie. A mãe de Dylan, por exemplo, diz que Jamie é muito corajosa e uma boa garota, mas não quer que o filho namore uma garota trans. O melhor amigo diz coisas odiosas e preconceituosas sobre Jamie quando Dylan o contraria, mas ele parece genuinamente aceitar e gostar de Jamie e dá força para que o relacionamento dos dois dê certo. Os garotos da escola de Dylan xingam e ameaçam Jamie, e Dylan sente uma preocupação extrema pelo bem estar da garota. 

Gostei bastante do desenvolvimento de Dylan em relação aos pais, como ele nunca processou de verdade a falta do pai e como a mãe meio que manteve a ilusão de que o pai estava presente e podia se comunicar de alguma forma. 

Foi uma história bem desenvolvida mas eu gostaria de ter tido mais profundidade com Jamie. Como Dylan é o protagonista e a narrativa é contada a partir da perspectiva dele, acho que isso mostra como ele é um pouco egoísta – parece que o mundo de Jamie meio que gira em torno dele, como se ela não tivesse vida própria, o que me incomoda. 

Minha conclusão é: Jamie merece melhor! Dylan ainda é muito imaturo e precisa aprender mais sobre si mesmo, afinal ele ainda não necessariamente se aceita ou busca de fato maneiras de melhorar sua existência.

A história é sobre auto aceitação e amor próprio, sobre não julgar apenas pela aparência e não deixar sua aparência te definir, e sobre como o carinho e o amor pode nos tornar pessoas melhores. 

A Fera foi publicado no Brasil pela Editora Seguinte.

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